O refluxo pode ser considerado fisiológico (geralmente ocorrem pós-prandialmente, têm vida curta, assintomáticos e raramente ocorrem durante o sono) ou patológico (associado a sintomas ou lesão da mucosa e geralmente ocorrem à noite.
O termo doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é aplicado a pacientes com sintomas sugestivos de refluxo mas não necessariamente com inflamação esofágica. A esofagite de refluxo descreve um subconjunto de pacientes com DRGE que apresentam evidências endoscópicas de inflamação esofágica.
Mecanismos da doença de refluxo gastroesofágica
O desenvolvimento da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) reflete um desequilíbrio entre fatores prejudiciais ou desencadeadores de sintomas (eventos de refluxo, acidez do refluxo, hipersensibilidade esofágica) e fatores defensivos (depuração do ácido esofágico, integridade da mucosa). A extensão dos sintomas e da lesão da mucosa é proporcional à frequência dos eventos de refluxo, à duração da acidificação da mucosa e à potência cáustica do líquido refluído.
A esofagite resulta da inflamação desencadeada por citocinas, em vez de um efeito químico direto da exposição prolongada ao ácido no epitélio esofágico. Isso é comprovado pela observação de alterações histopatológicos que ocorrem profundamente no epitélio e não na superfície luminal, e que mudanças regenerativas são iniciadas antes do desenvolvimento de necrose da superfície.
- INCOMPETÊNCIA DA JUNÇÃO GASTROESOFÁGICA – A barreira anti-refluxo na junção gastroesofágica é anatomicamente e fisiologicamente complexa e vulnerável a vários mecanismos potenciais de refluxo. Os três mecanismos fisiopatológicos dominantes que causam incompetência na junção esofagogástrica (JEG) são:
- Relaxamentos transitórios do esfíncter inferior do esôfago (RTEIE): O RTEIE faz parte do mecanismo fisiológico de arroto/erucção. É um reflexo ativo que permite que o ar escape do estômago. Um determinante primário da doença do refluxo é uma proporção aumentada de RTEIE associados ao refluxo ácido, em vez de apenas arroto gasoso. Os RTEIE envolvem não apenas o relaxamento do EIE, mas também a inibição diafragmática crural, o encurtamento esofágico por contração do músculo longitudinal e a contração do diafragma costal. Os RTEIE ocorrem sem uma contração faríngea associada, não são acompanhados pelo peristaltismo esofágico e persistem por períodos mais longos (> 10 segundos) quando comparados aos relaxamentos do EIE induzidos pela deglutição. A frequência do RTEIE é aumentada pela distensão do estômago ou pela postura ereta. O refluxo ácido com RTEIE pode ser consequência do aumento da complacência da JGE como consequência do enfraquecimento ou dilatação do hiato diafragmático.
- Esfíncter inferior do esôfago hipotensivo: Apenas uma minoria de indivíduos com DRGE apresenta um EIE muito hipotensivo (<10 mmHg). Nestes casos o refluxo gastroesofágico pode ocorrer quando a tensão do EIE é superado e “aberto” por um aumento abrupto da pressão intra-abdominal ou durante o refluxo livre com diminuição no pH intra-esofágico sem alteração identificável na pressão intragástrica ou na pressão do EIE.
- Ruptura anatômica da junção gastroesofágica – A frouxidão na fixação do EIE no diafragma, redução da sinergia de EIE com o diafragma, aumento da distensão da JGE e aumento da pressão intra-abdominal podem resultar em comprometimento mecânico da própria JGE. Pacientes com hérnia de hiato também apresentam ruptura progressiva do esfíncter diafragmático. Fisiologicamente, o diafragma e o EIE contribuem para a competência do esfíncter gastroesofágico e a pressão da JGE.
- CARACTERÍSTICAS DO REFLUXO – o pH intragástrico e o tempo em que o refluxo está em contato com a mucosa esofágica são determinantes importantes da extensão da lesão. O grau de dano da mucosa é mais significativo se o pH do refluxo for menor que dois e / ou se a pepsina estiver presente.
- DEPURAÇÃO DIMINUÍDA DO ÁCIDO ESOFÁGICO – Após o refluxo, a depuração do ácido esofágico começa com o esvaziamento do líquido refluído do esôfago por peristaltismo e é completada pela titulação do ácido residual com saliva engolida. Prolongamento do tempo de depuração do ácido esofágico (quando o pH esofágico <4) foi observado em aproximadamente metade dos pacientes com esofagite. As duas principais causas desse problema são o esvaziamento esofágico prejudicado e a função salivar prejudicada.
- Esvaziamento esofágico prejudicado – O processo de depuração ácida normal envolve peristaltismo, bem como a deglutição de bicarbonato salivar. O peristaltismo limpa o líquido gástrico do esôfago, enquanto a deglutição de saliva (pH de 7,8 a 8,0) neutraliza qualquer ácido remanescente. O peristaltismo primário e secundário são mecanismos essenciais de depuração esofágica. A depuração anormal de ácido melhora com uma postura ereta, sugerindo que a gravidade pode compensar o esvaziamento de fluido prejudicado. Dois mecanismos de esvaziamento esofágico comprometido foram identificados:
- Motilidade esofágica ineficaz – pode se manifestar como contração peristáltica não propulsiva ou hipotensiva. A motilidade esofágica ineficaz se torna mais comum com o aumento da gravidade da esofagite.
- Re-refluxo – O refluxo ou fluxo retrógrado associado à hérnia hiatal também prejudica o esvaziamento esofágico. O refluxo da hérnia durante a deglutição ocorre apenas com hérnias não redutoras evidentes entre as deglutições e durante o encurtamento esofágico induzido pelo peristaltismo.
- Função salivar diminuída – Salivação reduzida ou capacidade neutralizante salivar diminuída também prejudicam a depuração ácida. Aproximadamente 7 ml de saliva neutralizarão 1 ml de HCl 0,1 N, com 50% da capacidade de neutralização atribuível ao bicarbonato salivar. A salivação diminui durante o sono, o que acentua os refluxos noturnos. Os fumantes de cigarro têm depuração ácida prejudicada devido à hipossalivação. A xerostomia crônica tem exposição prolongada ao ácido esofágico e à esofagite em um subconjunto de pacientes provavelmente associado a menor produção salivar.
- DEFESA PARA LESÃO EPITELIAL – A idade e o estado nutricional influenciam a capacidade da mucosa de suportar a lesão. A mucosa esofágica possui defesas morfológicas e fisiológicas contra a lesão do refluxo nos níveis epitelial e pós-epitelial. Esses mecanismos incluem o seguinte:
- Junções epiteliais estanques – A principal defesa contra lesão por refluxo é a própria barreira epitelial. A mucosa esofágica é um epitélio relativamente “apertado”, resistente a movimentos iônicos no nível intercelular, bem como no nível celular, devido às junções estreitas e à matriz rica em lipídios no espaço intercelular.
- Eliminação dos íons hidrogênio – Há dois processos de eliminação de ions H + nas membranas esofágicas: um mecanismo de troca de Cl-/HCO3- dependente de sódio e um de Na +/H +. Os íons hidrogênio são tamponados por bicarbonato extracelular em equilíbrio com o sangue. Assim, o fluxo sanguíneo é a principal defesa pós-epitelial, interagindo com fatores epiteliais para proteger contra lesão ácida. O fluxo sanguíneo aumenta em resposta ao ácido luminal, fornecendo mais bicarbonato ao espaço intercelular, além de fornecer nutrientes para a atividade metabólica.
- HIPERSENSIBILIDADE ESOFÁGICA – O aumento da sensibilidade da mucosa ao ácido também pode contribuir para os sintomas de pirose. A causa da pirose em pacientes com exposição normal ao ácido esofágico é incerta, mas pode estar relacionada ao aumento da percepção sensorial do refluxo fisiológico (hiperalgesia visceral).
- HÉRNIA DE HIATO – A gravidade da esofagite de refluxo se correlaciona com o tamanho da hérnia de hiato. Os mecanismos relacionados a presença da hérnia de hiato incluem o comprometimento do componente diafragmático da JGE, baixa pressão do EIE e um aumento dos números de relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior (RTEIE) em resposta à distensão gástrica. As hérnias hiatais também estão associadas a uma pior depuração de ácido quando em decúbito e re-refluxo, os quais prejudicam o esvaziamento esofágico.
- OBESIDADE – A obesidade é um fator de risco para DRGE e esofagite erosiva. Os mecanismos pelos quais a obesidade contribui para o refluxo são desconhecidos. Há correlação significativa do índice de massa corporal e da circunferência abdominal com a pressão intragástrica e com o gradiente de pressão gastroesofágica. A obesidade também foi associada à ruptura do JGE, levando a hérnia hiatal e aumento da exposição ao ácido esofágico. A obesidade também tem sido associada a um aumento da frequência de RTEIEs.
- GRAVIDEZ E ESTROGÊNIO EXÓGENO – A pirose ocorre em 30 a 50 por cento das gestações. Provavelmente, isso se deve a fatores hormonais (estrogênio e progesterona que reduzem o tônus do EIE) e a possíveis fatores mecânicos (útero gravídico). A terapia de reposição estrogênica em mulheres na pós-menopausa também parece aumentar modestamente o risco de pirose.
- DIETA E MEDICAMENTOS – Alimentos específicos (gordura, chocolate, hortelã-pimenta), cafeína, álcool, fumo e vários medicamentos (por exemplo, anticolinérgicos, nitratos, bloqueadores dos canais de cálcio, antidepressivos tricíclicos, teofilina, diazepam, opioides, barbitúricos) podem causar refluxo por indução Hipotensão do EIE.